sábado, 1 de janeiro de 2011

CABANA

Esta é a história de uma cabana. No meio do mundo, rodeada por nada. Escuridão tremenda. Nada se sabe. Quem dentro da cabana vive são três aberrações. E elas brigam sempre. Bem, elas estão sempre brigando. Brigando feio.

A aparência de muitos anos. A verdade era relativa. Ele realmente era velho, mas nem tanto. Muitos pesos, muitas medidas. O mais velho, aleijado e míope, tinha a idade sobre as costas, a testa franzida, os ombros caídos. Vivia de branco, impecável, falava correto, corrigia os outros, era implicante, adorava a ordem e os discursos. A verdade nem importava. Escondia a idade e aparentava a idade que lhe dessem.

O do meio, descontrolado, escandaloso. Sempre vestindo vermelho... Até seu nariz era vermelho. Um vulcão às vezes, uma calmaria, outras. Vivia em isolamento com seus irmãos, mas se tivesse contato com o mundo exterior ficaria na dúvida quanto à sua sexualidade.

O caçula, apesar de sentir dores terríveis, é um escravo do mais velho e só apanha do segundo. Entre os três, é o mais sociável, o que mantém os três juntos desde o berço. Não tem medo de nada (tirando de seus irmãos). Forte como um touro, faminto, e tem o cérebro do tamanho de um gergelim.

Esses sãos os trigêmeos.

No fundo estão sempre prejudicando um ao outro. Eles brigam o dia inteiro, mas um não vive sem o outro, mesmo porque estão presos por gigantescas correntes que alguém misteriosamente fez. Dizem que a probabilidade de isso acontecer é a mesma que a de um jogador de golfe acertar a bolinha num buraco na lua ou a de uma fita cassete sair da fábrica, sem querer, com a 9a Sinfonia do Beethoven gravada.
A cabana é grande e cheia de cômodos, todos muito vazios, mal iluminados, muito sujos e sem nenhuma decoração ou móveis. A não ser, é claro, a sala onde se encontram todos os pertences dos três e eles próprios. Nesse local, no entanto, existem tantas coisas e eles são tão mesquinhos, que estão sempre brigando para saber onde fica o quê de cada um. Bem, eles estão sempre brigando. Brigando feio.
O trio tem sempre uma resposta para tudo. Eles têm a solução para o amor incondicional, a existência de Deus, a fome no mundo, a meta da humanidade, a paz universal, a pergunta shakespeareana (“ser ou...”) e até para quem veio primeiro (o ovo ou...). O mais velho já escreveu um livro técnico sobre cada. O segundo já escreveu dúzias de poesias cheias de dor e paixão e o terceiro não sabe escrever, então fez um livro de desenhos, mas desistiu, por fome, e comeu todos os lápis de cera. Então eles brigaram. Bem, eles estão sempre brigando. Brigando feio.
Eles discordam tanto que, mesmo olhando, como por exemplo, através de uma mesma janela, poderia sair discussão sobre o que viam. Mesmo que pela janela só se pudesse ver uma única e solitária árvore. Eles estão sempre brigando. Brigando feio.
Eles estão sempre brigando. Brigando feio.

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