quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

PRÉDIO

Existem tantos cantos naturais no mundo em que o ser humano não vai. Não vai, ou vai pouco, ou desconhece ou conhece e sabe que não é pra ir. E também tem um tanto de outros cantos que o ser humano constrói. Tomemos por exemplo esse prédio de apartamento. Área nobre da cidade grande. Provavelmente construído por um arquiteto de nome, numa época que era tudo bem construir um prédio desse tamanho, pra tanta gente. Provavelmente dos anos 60. Deviam anunciar como “nosso prédio de apartamentos tem área para as crianças brincarem, mercado, barbeiro e tudo mais que sua família precisa bem pertinho”. Bem pertinho significa nesse caso que o prédio foi construído sobre o que hoje é um supermercado e um banco. Antes, provavelmente um monte de lojinhas simpáticas. Monobloco, porém dividido em quatro blocos. Olhando de longe se tem a impressão de que há muita gente morando nesse prédio (e há mesmo). De longe ou de perto. São famílias de jovens médicos ou advogados, ou casais de idade, ou famílias que receberam os apartamentos como herança. Podemos ver crianças brincando com suas babás no grande jardim com bancos de cimento que tem na área na frente do prédio, área que serve como teto para o banco e o supermercado. Podemos ver meninas de quinze anos ou senhoras de oitenta saindo para passear com seus poodles ou outros cães pequenos e brancos com batidas cardíacas aceleradas. Podemos ver senhores judeus voltando pra casa e até um ou outro tipinho mais alternativo chegando de bicicleta, e cumprimentando o porteiro pelo nome. Tudo isso junto no mesmo prédio. Olhando de longe podemos ver pouco pelas janelas. Só um constante movimento, que de tão pequeno e tão constante parece parado. E não ouvimos nada. A não ser aquele estampido que poderia ser uma tabua caindo na construção ao lado, ou um escapamento ecoando pelos prédios e chagando deformado. Ou poderia ser um tiro vindo de um dos cento e tantos apartamentos desse prédio de bairro tradicional. Nesses prédios, todo o lixo é trazido numa caçamba. E colocado no mesmo local que o lixo do supermercado. São sacos e mais sacos de lixo. São verdes, pretos, marrons. De plásticos, de papel. Garrafas, plantas, caixonas de papel. Tem de tudo. Ouve-se o caminhão de lixo na rua de trás. Tem vezes que os próprios moradores pedem para a empregada levar o lixo por algum motivo. E raramente, tão raramente que deve ser a primeira vez, aquele senhor trás ele mesmo o lixo. Obviamente tem dois sacos de lixo, reforçando pra não arrebentar. E ele olha pra ver se não deixou rastro. Chorume certamente. O caminhão do lixo passa momentos depois e o lixeiro pega os sacos. Pega e faz uma cara estranha do tipo “foi mais pesado que eu imaginava”. Pra onde será que vai todo o lixo desse prédio? Pra onde será que vai todo o lixo dessa cidade? Será que se um dia encontrarem algum documento seria possível rastrear de que área veio? Provavelmente não, mesmo porque, se for um documento importante o dono iria atrás e não os funcionários do lixão. Então usemos como exemplo um corpo todo fatiado envolto em jornal pra fazer o saco ficar mais arredondado e menos chamativo. Nesse caso, será que seria possível rastrear de onde veio? Olhando pelas janelas do prédio, vemos cortinas esvoaçando, podemos ver um ou outro morador apoiado no parapeito fumando um cigarro ou apenas olhando, ou podemos ver ainda as luzes da TV. Tem TVs pequenas, tem TVs de plasma, daquelas bem grandes que podemos ver o que a pessoa está assistindo se tivermos conhecimento prévio do programa ou do filme. Assim como naquela ali, que tem alguém assistindo “Janela indiscreta”.

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