domingo, 9 de janeiro de 2011

SABRINA

Sabrina.
Não que sua mãe tivesse lhe dado esse nome, mas era assim que a moça dizia quando se apresentava, desde os catorze anos, desde que começara a ler romances de bolso vendidos em banca de jornal. Agora já nem sabiam seu nome de verdade e ela mesma muitas vezes esquecia. É comum.
Sabrina ia todo dia para seu trabalho de ônibus e ao se aproximar lembrava como achava divertido o letreiro que tinha como letra inicial algo que poderia ser lido tanto como H como M. Ela chegava às 23h e ficava até 6h, então a outra atendente chegava e a rendia. Seu trabalho era simples, pedir documentos das pessoas que chegavam de carro, descrever assim por cima os quartos se perguntasse, e entregar a chave do que nas próximas horas, seria um ninho de amor ou apenas um antro pecaminoso dependendo da sua crença.
Sabrina trabalhava muitas vezes acompanhada de Irene (que se chamava Irene mesmo, dizia ela) e algumas vezes de Dona Márcia. Porém, nessa noite a portaria estava totalmente em sua responsabilidade até a 1h. Irene estava doente, apanhara "uma friagem brava agora em junho" e Dona Márcia ajudaria em outro departamento até esse horário. Acontecia às vezes e Sabrina até sentia um pouco de medo, ficar ali, naquela cabine durante a noite, numa parte rebaixada da via, olhando o matagal e a construção interditada do outro lado da estrada. A estrada a noite era bem escurinha em volta e bem iluminada debaixo das lâmpadas, mas principalmente solitária.
Sabrina atendia alguns telefonemas pedindo pra fechar a conta do quarto, lia um pouco dos romances de bolso vendidos em banca de jornal e, claro, atendia os clientes que entravam e saíam.
Essa noite era uma terça feira e Dona Márcia ainda não tinha chegado para lhe fazer companhia, apesar de já ser 1h15. Sabrina ligou para o escritório e Seu Borba foi muito grosso com aquela voz de safenado dizendo que Dona Márcia "já ia já, já". Ao desligar o telefone, ouviu um clique atrasado. Mas um clique quando se coloca o telefone no gancho é apenas um clique, então, voltou à leitura.
Um carro passa, o vento bate e outro clique, dessa vez obviamente do lado de fora da cabine, mas ora bolas, estamos numa estrada e pedrinhas rolam, voltemos a leitura.
Outro clique.
Bom, que diabos é isso? Sabrina olha pra estrada e o mato balança com o vento e o reflexo da sua própria cabine em alguma coisa da construção inacabada do outro lado da estrada, brilha piscando.
Um carro chega apressado. Os clientes ali sempre estão apressados. É quase como ir ao banheiro, quando chega a hora, chega a hora. "Um quarto por favor!" disse o moço embriagado sem ter bebido. Ao passarem e a chancela baixar, um sujeitinho pequeno, usando um casacão e gorro se aproxima, a pé. E ele vem chegando mas não deu pra ver de onde.
- Um quarto por favor.
- O senhor está sozinho?
-
- Olha senhor, aqui só funciona com quem está de carro ou no mínimo acompanhado.
-
Sabrina tenta ignorá-lo e voltar a sua leitura.
Clique.
- Senhor, é contra a política da casa receb...
Clique.
Era péssimo, seus pés se contraíram imediatamente. O clique do telefone, o clique da pedrinha da estrada, o "clique" vinha do homem encapotado a um metro de distancia dela.
CLIQUE
Esse clique fora bem alto. Bem alto mesmo.
- Olha a-aqui meu senhor, se o senhor não sair daqui vou chamar os seguranças do estabelecimento!
CLIQUE!
Meu Deus do céu, será que as câmeras de segurança não viam o homenzinho ali ao lado dela, ameaçador, encarando-a vidrado, fazendo aquele som horrível.
- Olha...
Ele se aproxima mais com uma passada, Sabrina chega a dilatar as narinas e levantar a parte do lábio superior. Ela pode sentir o suor nas costas e aquela tensão ali em cima, depois da testa.
- Um quarto por favor. Um quarto por favor.
Sabrina agarra no peitoral da cabine pela parte de dentro, seu pescoço dói e a boca seca. Nada disso pode estar acontecendo, não pode estar aconte...
CLIIIIIQUE!
Toda a lógica some de vez. Ela se abaixa dentro da cabine, suando pelas temporas, pelo lábio, as bochechas... Será que não poderia chegar ninguém? E a segurança não via isso? Será que ele a agarraria se ela levantasse a mão para telefonar? Será que ele estaria chegando mais perto?
CLIIIIIIQUEEEEEE!
- Um quarto por favor.
Era impressão ou a voz dele era cada vez mais úmida e... próxima. Sabrina fechou os olhos apertados, apertou as mãos contra a parede e tencionou os dedos do pé dentro dos sapatinhos de salto alto. Ela sentia falta de ar, certamente pois estava chorando muito e não havia notado. Ela só queria alcançar o telefone.
Se Sabrina estivesse de olhos abertos ela teria visto a sombra do braço do homem úmido entrando pela janela e teria visto também suas mãos enrugadas e secas quando a manga do casaco enroscou na janelinha da cabine.
Mas ela não teria visto muito mais do que isso.

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